Júlia Castanheira[1]
Flávio Iglesias Pessuto[2]
Matheus Soares Matos[3]
Às vésperas da 28ª Conferência das Partes (COP28), evento que reúne líderes políticos e entidades globais para reavaliar os compromissos globais e desafios assumidos no Acordo de Paris em 2015, o Brasil se encontra em momento de importante avanço institucional em sua agenda climática: a normatização de seu mercado de redução de emissões, ou, simplesmente, mercado de carbono.
O mercado brasileiro de redução de emissões, como referenciado na Política Nacional sobre Mudanças Climáticas (Lei n. 12.187/2009) é um dos pilares dos esforços dos órgãos da administração pública brasileira, em conjunto com a iniciativa privada, para promover o desenvolvimento sustentável, crescimento econômico, erradicação da pobreza e redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) na atmosfera.
A estruturação do mercado brasileiro de carbono terá como premissa o atingimento dos compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, no Protocolo de Quioto e outras convenções internacionais.
Como já se esperava, a regulamentação desse mercado tem sido monitorada com especial atenção por empresas brasileiras que estarão submetidas às normas, obrigações e sanções previstas no marco legal (isto é, aquelas empresas que registrem um determinado patamar de emissões de GEE na atmosfera). Esses agentes farão parte do chamado “mercado regulado” de carbono.
Contudo, a definição normativa também será essencial para o desenvolvimento de um ecossistema de investimentos e negócios sustentáveis, com alta capacidade de geração de renda, empregos e riquezas para o Brasil, a partir da capacidade natural e geográfica do País de sediar projetos de redução ou remoção de carbono da atmosfera. Parece ser chegado o momento, finalmente, de lapidar a joia verde[4] brasileira.
No mercado regulado, as autoridades governamentais definirão os setores da economia que serão monitorados e que terão limites de emissões[5] (em tCO2e[6]). Esses agentes regulados terão incentivos (construído principalmente sob sanções) para reduzir suas emissões e, em não o fazendo, terão de buscar compensar suas emissões por meio da negociação de ativos que expressem não emissões ou remoção de carbono, isto é, nos termos da legislação em desenvolvimento, as cotas brasileiras de emissões e os certificados de redução ou remoção verificada de emissões.
O mercado voluntário tenderá a se desenvolver em aprimoramento ao que já vinha ocorrendo desde o Protocolo de Quioto, a partir de empresas e entidades buscando implementar estratégia de descarbonização para fins de contribuição para a mudança climática e, evidentemente, geração de receitas e qualificação de produtos e serviços. O principal ativo deste mercado segue sendo o crédito de carbono.
Um primeiro aspecto de evidente importância a ser impulsionado pelo mercado brasileiro de redução de emissões é que o Brasil possa alcançar os objetivos de descarbonização de suas atividades de acordo com sua Contribuição Nacionalmente Determinada (CND), compromisso assumido perante as Nações Unidas. A CND o Brasil deve reduzir as suas emissões em 48% até 2025 e 53% até 2030[7].
A definição de regras claras é também fundamental para a atração de mais investimentos em negócios alinhados aos objetivos climáticos nacionais.
Por exemplo, apenas no Novo PAC, programa de investimentos liderado pelo Governo Federal anunciado neste ano, constam 20 projetos de desenvolvimento de combustíveis de baixo carbono[8], que permitirão a construção de nova matriz de combustíveis para o setor de transporte do País (a partir do diesel verde e combustível de aviação sustentável – SAF) e permitirão que agentes econômicos, como os do setor de aviação, alcancem suas metas reguladas de descarbonização[9].
Levantamento feito pela Berkeley Public Policy – The Goldman School, em base de dados que consolida informações sobre projetos do mercado voluntário ao redor do mundo, indica que no Brasil existem 221 processos ativos ou em desenvolvimento que, em conjunto, propiciaram a emissão de 89,4 milhões de créditos de carbono gerados[10].
Em uma precificação média a US$ 32/tCO2e, conforme proposto através de metodologia elaborada pelo Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas[11], está-se diante de mercado de US$ 2.8 bilhões no mercado voluntário brasileiro. Por outro lado, a expectativas em estudos como o da McKinsey & Company já mencionados anteriormente dão conta de que essas cifras tendem a crescerem exponencialmente, dada a capacidade natural brasileira de geração de créditos de carbono (cerca de 15% do potencial global), vindo a atingir cifras para além dos US$ 125 bilhões.
Desses valores, o Brasil inevitavelmente reterá em seu favor os investimentos para a implantação de projetos no País, os empregos gerados, a renda e os tributos arrecadados sobre a negociação de ativos do mercado de redução de emissões e das atividades voltadas à geração de créditos. Se trata da criação de uma grande plataforma com potenciais cobenefícios de ponta a ponta.
Em nossa visão, um fator fundamental para que o Brasil possa pavimentar seu caminho até o protagonismo e liderança estratégica da agenda climática em escala global também passa pela viabilização das transferências internacionais de resultados de mitigação (ITMOs), mecanismo estruturado no âmbito do Artigo 6 do Acordo de Paris e está amparado nos textos em construção do mercado brasileiro de carbono.
Se, por um lado, no mercado voluntário o Brasil será pujante em projetos, aproveitando de sua capacidade natural de contribuir para a mudança climática e geração de riqueza, por outro há espaço também para a contribuição com países que não possuam a mesma capacidade. Isso não tem nada que ver com benevolência sustentável, mas de preponderância e posicionamento estratégico no cenário internacional.
A negociação desses ativos internacionalmente, permitirá que países e agentes regulados busquem no mercado brasileiro os ativos para o cumprimento de suas próprias metas, conferindo ao Brasil maior poder de barganha para comercialização de ativos sustentáveis e, por consequência, fortalecimento e referenciamento do mercado brasileiro de redução de emissões globalmente.
Para além disso, cria-se mecanismo de atração de investimentos, por meio do qual empresas e países estrangeiros busquem desenvolver projetos de redução ou remoção de carbono no Brasil com vistas à realização de ITMOs posteriormente, promovendo os mesmos cobenefícios já mencionados a partir desse filão do mercado de carbono.
É necessário que o mercado brasileiro de redução de emissões possa permitir que o Brasil torne efetivo o potencial sobre o qual tanto lemos, divulgamos e confiamos. Ademais, que este potencial se torne realidade num prazo adequado de tempo, dado que outros países também estão fazendo investimentos no sentido de serem fornecedores de produtos e serviços ambientais e verdes. Corremos, portanto, o risco de chegarmos atrasados nesta corrida pela sustentabilidade e seus mercados.
Outro elemento basilar é o de segurança jurídica. O mercado regulado de carbono nacional não é o único mecanismo de atingimento de metas de descarbonização e redução de emissões. Isso suscita atenção para que um agente que esteja inserido no mercado regulado de carbono e que, a depender de seu ramo de atividade, esteja submetido a outros compromissos pactuados internacionalmente não seja duplamente regulado.
Essa sobreposição de regulações poderia elevar sobremaneira o custo de oportunidade das obrigações redução ou remoção de carbono, desincentivando a cooperação e o investimento em medidas de redução e estimulando, possivelmente, medidas de compensação de emissões (com créditos ou certificados) e eventualmente o repasse de custos na cadeia produtiva.
É o caso, por exemplo, do setor de aviação civil – já mencionado anteriormente – que possivelmente terá os agentes nacionais submetidos às regras do mercado regulado de carbono e terão, ainda, de observar e adotar medida para atingir as metas estabelecidas no âmbito do Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation – CORSIA, programa da Organização da Aviação Civil Internacional ao qual o Brasil aderiu, sendo a Agência Nacional da Aviação Civil – ANAC[12] a responsável pela implementação dos compromissos no Brasil.
O desafiador processo de implementação do mercado de carbono brasileiro tem avançado no Congresso Nacional, neste momento na Câmara dos Deputados, que tem recebido as contribuições e direcionamentos da sociedade e do governo federal. Em grandes linhas, o cenário atual indica que o Brasil terá sua legislação segregada em duas vertentes: uma voltada ao mercado regulado de carbono (missão incumbida ao deputado Aliel Machado, do PV-PR) e outra voltada ao mercado voluntário (o que tem sido liderado pelo deputado Sérgio Souza, do MDB-PR).
A partir do acompanhamento feito pelo Barral Parente Pinheiro Advogados da construção dos textos legais, em reuniões com os relatores na Câmara dos Deputados, apresentação de contribuições técnicas e desenvolvimento de estratégias setoriais, avaliamos que os textos tenderão a contribuir para que o Brasil possa avançar, e rápido, ao seu posto de liderança, ainda que tenhamos longo e desafiador durante a etapa de regulamentação.
É possível que cheguemos à COP28 com os textos encaminhados para votação ou já apreciados na Câmara dos Deputados, o que seria um ótimo avanço a ser anunciado pelo Brasil na Convenção, ainda que haja longo caminho regulatório a percorrer.
Porém, é fundamental que nos próximos anos o Brasil possa avançar com sua agenda climática para quem sabe, chegar à COP30 em Belém do Pará, com a maturidade, propostas e ambições compatíveis com quem ocupa a liderança na corrida global em direção a um mundo mais sustentável.
[1] Advogada do Barral Parente Pinheiro Advogados do núcleo de Regulação, Infraestrutura e Relações Governamentais.
[2] Membro do Barral Parente Pinheiro Advogados do núcleo de Regulação, Infraestrutura e Relações Governamentais.
[3] Sócio do Barral Parente Pinheiro Advogados do núcleo de Regulação, Infraestrutura e Relações Governamentais
[4] Em alusão ao entusiasmante relatório elaborado pela McKinsey & Company acerca do potencial brasileiro de liderar a agenda climática global e de geração de valor a partir de seu mercado de redução de emissões. Disponível em: https://www.mckinsey.com/br/en/our-insights/all-insights/the-green-hidden-gem-brazils-opportunity-to-become-a-sustainability-powerhouse.
[5] Serão reguladas empresas que emitam de 25.000 t CO2e por ano, devendo essas além de obrigações de monitoramento e relato de emissões, também realizarem a efetiva compensação de emissões. Operadores que emitirem acima de 10.000 toneladas terão obrigações apenas de monitoramento e relato, de acordo com o texto em desenvolvimento.
[6] Tonelada de dióxido de carbono equivalente, que compreende não apenas o CO2, mas outros gases do efeito estufa convertidos em CO2.
[7] Disponível em: https://unfccc.int/sites/default/files/NDC/2023-11/Brazil%20First%20NDC%202023%20adjustment.pdf
[8] Como visto em: https://www.gov.br/casacivil/novopac/mapas-de-obras-por-estados.
[9] Segundo a IATA, organização internacional do setor de aviação, o uso de SAF pode reduzir em 80% o volume de emissões em comparação com o combustível fóssil. Como visto em: https://www.iata.org/en/programs/environment/sustainable-aviation-fuels/.
[10] Disponível em: https://gspp.berkeley.edu/research-and-impact/centers/cepp/projects/berkeley-carbon-trading-project/offsets-database.
[11] Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNTZkNjc0NTAtYTVjMi00OTc1LWJhZTEtYWQxY2M0YzdjMGM0IiwidCI6ImRlNGNlMThjLTUyMTQtNDA2OS04MTg4LTFiOGZiNDJlM2NjZSJ9&pageName=ReportSection8563bbab36110c9ec008
[12] A ANAC, com esse propósito, expediu a Resolução n. 496/2018, que prevê as diretrizes para os operadores aéreos brasileiros quanto aos objetivos do CORSIA.