Por outro lado, o Governo Federal argumenta que as medidas buscam compensar a renúncia fiscal gerada pela desoneração da folha de pagamentos
A Medida Provisória 1.227/2024, publicada na última terça-feira (4/6) pelo Governo, prevê o estabelecimento de condições para fruição de benefícios fiscais, altera o imposto sobre propriedade territorial rural (ITR), limita a compensação de tributos administrados pela Receita Federal do Brasil e revoga as hipóteses de ressarcimento e de compensação de créditos presumidos da contribuição ao programa de integração social (PIS) e da contribuição para o financiamento da seguridade social (Cofins).
Nesta mescla de temas, todos relevantes para seus respectivos contribuintes, destaca-se o impacto da previsão de fruição dos benefícios fiscais e da restrição à compensação dos valores de PIS/Cofins. Afinal, o texto da MP determina que as empresas que usufruírem de benefício fiscal deverão informar à Receita Federal o montante de renúncia fiscal envolvida, bem como os incentivos, imunidades e benefícios empregados, além do valor do crédito tributário correspondente, sob pena de aplicação de multa em caso de não entrega, entrega em atraso ou inexatidão dos valores informados.
Com relação à compensação de créditos de PIS/Cofins, a MP proíbe a utilização de créditos de PIS/Cofins para pagamento de débitos das próprias empresas com relação a outros tributos federais, inclusive os débitos previdenciários. Esta compensação tributária é normalmente denominada de compensação cruzada. Ainda, a MP veda as hipóteses de ressarcimento, em dinheiro, de saldo credor decorrente de créditos presumidos das contribuições.
A restrição à compensação cruzada é particularmente negativa para empresas exportadoras. Um exemplo ilustra bem o caso: tome-se uma empresa que exporte óleo de soja ou soja processada. Ela terá direito ao crédito de Pis/Cofins acumulado na cadeia anterior, mas só poderá compensá-lo a partir de agora com o Pis/Cofins devido – e não mais com o IRPJ e com o CSSL, como fazia antes da MP. Ora, se a exportação for maior que as vendas internas, a empresa continuará a acumular créditos, que se tornarão despesa definitiva, sem perspectiva de que os recupere no futuro.
Em sua defesa, o Governo Federal argumenta que as medidas buscam compensar a renúncia fiscal gerada pela desoneração da folha de pagamentos. Mas, malgrado este argumento, o texto da MP apresenta óbvios efeitos negativos para vários setores exportadores, além de incongruências jurídicas e uma incompatibilidade com a segurança que se busca nesta matéria, por meio da almejada reforma tributária.
Juridicamente, há muito a se opor à MP 1227. Primeiro, quanto a não cumprir com os requisitos de urgência e relevância previstos na Constituição Federal. Economicamente, a impossibilidade de compensação cruzada impacta negativamente a competitividade da produção nacional, uma vez que aumentará os custos tributários das empresas, que terão de utilizar recursos financeiros próprios para saldar seus tributos, gerando prejuízo ao crescimento econômico do País. Além do que, a compensação cruzada entre tributos do mesmo ente já foi legitimada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de forma que a vedação gera resíduos tributários e tem caráter inconstitucional.
Mais ainda: a MP 1227 traz desequilíbrio, pois, enquanto a restrição de crédito tem efeito imediato e permanente, a desoneração da folha está programada para ocorrer de maneira gradativa e temporária, entre 2025 e 2027, o que leva a uma majoração na arrecadação de tributos, comparativamente ao valor da renúncia gerado pela desoneração da folha.
Muito se ouviu em Brasília, neste final de semana, quanto às motivações do Governo para a criação da MP 1227. Alguns sussurram que não houve cálculo de todos os efeitos antes de editar o texto. Outros cogitam que, apesar da resistência, o Governo tem esperança de aprovação do texto, ainda que com alterações, como ocorreu com a MP das subvenções. Há ainda os que garantem que, mesmo sabendo que a MP caducará, provavelmente sem votação, o Governo insistirá para poder economizar quatro meses de compensação cruzada, o que já teria algum efeito na trôpega situação fiscal.
Qualquer que tenha sido a motivação, não se pode julgar como boa política pública. Porque abre uma porta para contencioso judicial, com seus custos e imprevisibilidades. Porque restringe a compensação tributária, que se busca justamente garantir na reforma tributária. E porque desincentiva o setor exportador, já afetado por vários esmorecimentos burocráticos, num País que insiste em esquecer como o comércio exterior poderia contribuir definitivamente para seu desenvolvimento.
Welber Barral
Conselheiro da Fiesp, presidente do IBCI e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil