Órgão analisa se estatal venderia mais caro o petróleo para refinarias de outras empresas
A área técnica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) considerou insuficientes as respostas da Petrobras no processo que investiga práticas anticoncorrenciais na venda de petróleo bruto a refinarias privadas. O órgão pediu que a estatal detalhe contratos de fornecimento de óleo cru às refinarias Mataripe (BA) e Reman (AM), privatizadas nos últimos dois anos, e na Refinaria Clara Camarão (RN), em processo de venda. O Cade analisa se a Petrobras venderia mais caro o petróleo para refinarias de outras empresas em comparação com aquele fornecido às unidades da própria estatal. A estatal nega irregularidades.
A Refinaria de Mataripe foi a primeira privatizada pela Petrobras e passou a ser operada pela Acelen, do fundo Mubadala, em 2021. A Reman foi vendida ao grupo Atem, enquanto a refinaria Clara Camarão teve contrato de venda selado com a 3R Petroleum, mas a transferência ainda não foi concluída.
O processo no Cade foi aberto em meados de 2022, a pedido de distribuidoras, para analisar os preços dos combustíveis vendidos pela Refinaria de Mataripe, assim como avaliar se o preço do óleo cru vendido pela Petrobras a essa refinaria era compatível com o fornecido às refinarias da própria empresa e com o preço de exportação. O Cade concluiu a análise referente aos preços de derivados, mas seguiu com a investigação sobre o fornecimento de óleo bruto. Junto ao pedido para que a estatal apresente mais informações, emitido na semana passada, o Cade também convidou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) a se manifestar.
A Petrobras detinha quase toda a capacidade de processamento de petróleo nacional até assinar, em 2019, um termo de cessação de conduta (TCC) com o Cade para ampliar a competitividade no mercado de refino. A companhia se comprometeu a vender oito refinarias e ampliar a competição no mercado, em troca do encerramento de investigações de práticas anticompetitivas nesse mercado que remontavam a 2018. Hoje, refinarias independentes suprem cerca de 20% da demanda nacional por combustíveis, sendo que outros 60% são atendidos pelas refinarias da Petrobras e os demais 20% são oriundos de importação.
No novo processo que tramita no Cade sobre possíveis práticas anticoncorrenciais, a Refinaria de Mataripe acusa a estatal de violar o TCC. A refinaria solicitou entrada como terceira interessada no processo, pedido que foi negado pelo órgão. “O acesso amplo e isonômico ao petróleo nacional por refinadores nacionais é hoje, sem dúvida nenhuma, a principal condição para a construção de ambiente competitivo no refino e, como consequência, para atração de investimentos ao setor e segurança energética do país”, diz a Acelen.
Nas primeiras considerações enviadas ao Cade, a Petrobras argumentou que refinarias privadas têm opções para compra de petróleo. A companhia disse ainda que a venda da refinaria de Mataripe incluiu oleodutos e terminais aquaviários que possibilitam à empresa acessar outros fornecedores.
A Refinaria de Mataripe diz que depende do petróleo fornecido pela Petrobras, pois não há alternativas nacionais viáveis. Argumenta também que a refinaria foi preparada para operar sobretudo com o petróleo nacional, com o uso de navios de menor porte para entrega. Com isso, importações do insumo ficam mais complexas, pois usam navios maiores.
Agora, um novo pedido de entrada como terceiro interessado vai ser feito pela Refina Brasil, associação que reúne as refinarias Riograndense (RS), Dax Oil (BA), SSOil (SP) e Paraná Xisto (PR), além de Mataripe e Reman. Segundo o advogado da associação, Evaristo Pinheiro, a prática de preços diferentes pode configurar abuso de poder. “A Petrobras tem 93% do mercado de fornecimento de óleo e é ao mesmo tempo produtora e refinadora. Isso traz uma preocupação de que a companhia possa praticar condutas que eliminem a concorrência”, diz.
Procurada, a Petrobras disse em nota que o mercado doméstico tem “ampla diversidade de fornecedores”. “Observa-se que os diferentes refinadores independentes já importam cargas de petróleo, assim como suprem suas necessidades com cargas adquiridas de outros produtores nacionais.” A estatal diz que a produção de outras empresas supera a capacidade de processamento dos refinadores independentes e que o cenário é de mercado aberto e de livre concorrência. “A Petrobras, isoladamente, responde por menos da metade do volume de óleo disponível para comercialização”, disse.
Pinheiro, da Refina Brasil, diz que, mesmo com a entrada de novos produtores, a Petrobras ainda domina a distribuição de óleo às refinarias, pois grandes empresas optam por exportar a produção e as menores não têm infraestrutura para chegar aos clientes. “Defendemos que o Cade aplique medida preventiva para garantir o acesso isonômico ao petróleo. Com o óleo competitivo, as refinarias vão poder concorrer, o que pode levar a preços de combustíveis melhores.”
Por Gabriela Ruddy – do Rio 16/03/2023
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