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Defesa comercial na reforma tributária

Welber Barral
Não há uma interpretação definitiva na OMC sobre essa matéria, o que poderá levar o judiciário brasileiro a ter que analisar, como originalidade, a interpretação de uma matéria que, por definição, não é de fácil compreensão.

Poucos sabem, mas a origem das medidas antidumping foi no Canadá. A primeira legislação sobre esta medida foi aprovada em 1904, permitindo ao governo canadense impor medidas sobre bens importados que fossem vendidos abaixo de seu valor normal, a fim de proteger a indústria local. A partir de sua origem canadense, foi adotada pelos Estados Unidos em 1916, e espalhou-se como medida protetiva por várias legislações no mundo.

Com a evolução do GATT, vários acordos consecutivos delimitaram a aplicação da medida. Com a OMC, estabeleceram-se acordos obrigatórios sobre medidas antidumping, medidas compensatórias e de salvaguardas – a tríade sagrada das medidas temporárias de defesa da indústria nacional. Hoje, uma centena de países membros da OMC têm legislação de defesa comercial, embora os maiores usuários sejam os EUA, a China, Europa, Índia, Brasil e México.

O Brasil se consolidou como usuário importante a partir dos anos 1990, com períodos de maior utilização relacionados com situação cambial e com o grau de competição no mercado internacional. Mais recentemente, o Brasil também vem repetindo a experiência norte-americana e europeia, de aumentar de medidas de defesa comercial contra importações de aço e de químicos, que são os setores mais afetados em todo o mundo.

As medidas de defesa comercial se refletem na cobrança de um direito na importação dos bens afetados, descritos em processos de investigação que podem durar até 18 meses. Por isso, a forma como são cobrados, a efetividade de sua cobrança, a coibição de desvios e fraudes, são importantes para garantir a efetividade da medida de defesa comercial.

Já se sabe que a cobrança desses direitos pode ser um fator adicional de complexidade no processo aduaneiro, que já não é simples no Brasil. Processo que, muitas vezes já inclui taxas inesperadas e reflexos tributários de um tributo sobre outro. Isto já acontece atualmente na cobrança de ICMS na importação de bens sujeitos a medidas de defesa comercial.

De fato, é entendimento de várias autoridades fiscais estaduais que o ICMS incide sobre a totalidade do valor importado, o que inclui as taxas, e os direitos antidumping ou compensatórios. Esse tema já chegou a ser discutido pelo Judiciário, sem posicionamento conclusivo. Por exemplo, em São Paulo o direito antidumping deve compor a base de cálculo do ICMS, conforme previsto no art. 37, inciso IV e § 6º do RICMS/SP.

A questão da base de cálculo a ser considerada na importação de bens volta como discussão relevante na medida em que PLP 68/24, que regulamenta a reforma tributária, inclui – em seu Art. 64 – na base de cálculo do IBS e da CBS todos os impostos, taxas, contribuições ou direitos incidentes sobre os bens importados até a sua liberação. A base de cálculo passa a incluir, expressamente, os direitos antidumping, os direitos compensatórios e as medidas de salvaguarda.

Em primeiro lugar, há que se compreender o efeito econômico que esta regulamentação terá sobre a importação futura de bens sujeitos a medidas de defesa comercial. Mesmo considerando os estados que já as incluem na base de cálculo do ICMS, trata-se atualmente de uma alíquota média de 12% sobre os direitos incidentes, que, por sua vez, são em geral ad valorem, incidido sobre o preço declarado do produto importado. Com a mudança, se ela for aprovada pelo Congresso Nacional, o impacto será relevante, já que a alíquota esperada projetada para o IBS/CBS será de 26,5%. Desta forma, cria-se um superefeito para medidas de defesa comercial, aumentando a proteção buscada pela indústria nacional.

Outro questionamento se refere à eventual legalidade da aplicação desta inclusão na base de cálculo dos futuros tributos, na forma como está sendo proposta pelo PLP. É verdade que outros países membros da OMC também incluem o direito relacionado à defesa comercial na base de cálculo de seus impostos sobre valor agregado, e que este tema ainda não foi objeto de contencioso na OMC. Entretanto, pode-se redarguir que poucos países têm alíquota de IVA tão alta como se espera para o Brasil, o que de fato implicará maior efeito econômico para a defesa comercial.

Eventuais questionamentos poderão levar em conta, obviamente, tanto princípios constitucionais brasileiros, quanto de tratados internacionais em matéria de comércio internacional, do qual o Brasil faça parte. Como se disse, não há uma interpretação definitiva na OMC sobre essa matéria, o que poderá levar o Judiciário brasileiro a ter que analisar, como originalidade, a interpretação de uma matéria que, por definição, não é de fácil compreensão.