Encontra-se em etapa de conclusão de audiência pública o projeto do novo terminal de contêineres (“TECON 2”) no Complexo Industrial Portuário de Suape – em Suape/PE. Trata-se de arrendamento da área portuária SUA05 para implantação e operação de projeto greenfield de terminal de contêineres com área de 268.967 m2, com capacidade de movimentação anual de 840.000 TEUs (twenty-foot equivalent unit), destinado a atender navios até o perfil new panamax. O valor do contrato é de quase 5,5 bilhões de reais, com capex estimado em 1 bilhão e 250 milhões de reais, a serem custeados integralmente pelo parceiro privado.
Ao término da consulta pública, o projeto deve ser encaminhado para análise do Tribunal de Contas da União (“TCU”). O leilão está previsto para ser realizado no 3º trimestre de 2019, sob o critério de maior valor de outorga.
O futuro terminal portuário TECON 2 competirá diretamente pelo fluxo de cargas de contêineres com o TECON 1, hoje operado pelo grupo filipino International Container Terminal Services, Inc. (“ICTSI”). No auge da operação do TECON 2, cujo ramp up previsto é de 5 anos, a modelagem econômica prevê que o terminal operará no máximo de sua capacidade, 840.000 TEUs, correspondendo a 55% de share do mercado previsto.
No âmbito da consulta pública, foram disponibilizados todos os documentos relevantes do projeto, em especial a minuta do edital de licitação e minuta de contrato de arrendamento. A minuta de contrato apresenta um modelo regulatório que endereça explicitamente questões atuais, relevantes e controversas do setor portuário quanto à movimentação de contêineres.
Segregação e entrega de contêineres, escaneamento e ISPS Code
A primeira delas diz respeito a serviços acessórios/complementares à movimentação de contêineres, em específico quanto aos chamados serviço de segregação e entrega de contêineres, serviço de escaneamento de contêineres e aos custos decorrentes da implantação do protocolo ISPS Code.
Em 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“CADE”), em votação não unânime, condenou terminal portuário no Porto de Santos por cobrar de importadores valores a título de segregação e entrega (“SSE”) de contêineres em separado à terminal handling charge (“THC”) cobrada dos armadores. De acordo com o Cade, essa forma de cobrança gera graves prejuízos à concorrência no setor e especialmente aos portos secos da região do terminal.
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (“ANTAQ”) também realizou, em 2018, consulta pública a respeito da proposta de Resolução nº 6.124, que altera a Resolução nº 2.389, de 2012, que buscou endereçar o a questão da cobrança dos serviços de segregação e entrega.
A mesma ANTAQ também realizou consulta pública a respeito de modelos para regulação de cobranças por escaneamento de cargas. Os terminais portuários, por força de normativo da Receita Federal do Brasil (“RFB”), tiveram de adquirir e operar escâneres de contêineres, passando a cobrar dos importadores proprietários das cargas quando tal serviço era demandando pela RFB. Os importadores, de outro lado, afirmam que se trata, na verdade, de uma exigência aduaneira imposta pela RFB, não cabendo aos terminais cobrarem pelo escaneamento.
O ISPS Code também é tema alvo de disputas, de modo que o Cade já instaurou procedimento administrativo em face terminais portuários por cobrarem de importadores valores a título de ressarcimento dos custos de implantação do protocolo em separado à THC cobrada dos armadores, resultando na assinatura de Termos de Cessação de Conduta com todos os representados.
No caso do projeto do TECON 2, a minuta de contrato e os documentos operacionais inserem explicitamente todas essas cobranças – SSE, escaneamento e ISPS Code – na terminal handling charge (THC) cobrada dos armadores, de modo que os importadores não teriam mais de arcar com essas despesas individual e diretamente.
É um modelo regulatório válido que, em certa medida, evita maiores conflitos entre importadores, e terminais secos e molhados. Cabe discutir, no entanto, se é o melhor modelo sob o ponto de vista de eficiência econômica.
Interessante notar que esses documentos, ao inserirem a cobrança por esses serviços na THC, colocam o armador como sendo ou como se fosse o tomador dos referidos serviços, o que, por outro lado, não é verdade para todos eles. Especificamente quanto ao SSE e ao escaneamento, os serviços são prestados a cargas específicas, e não a todas as cargas do navio. Na prática, ao se inserir esses serviços na THC indistintamente, todos os importadores acabam tendo de arcar com o custo do serviço em alguma parcela, mesmo que não o utilizem.
Alterações recentes do setor portuário
Outro ponto é que o projeto incorpora alterações recentes no entendimento e na legislação do setor:
(i) A modelagem econômica do projeto já prevê as despesas com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), que passou a ser exigível após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que confirmou a constitucionalidade da cobrança. Há até mesmo previsão contratual de revisão extraordinária do contrato caso o IPTU seja cobrado além ou aquém dos valores considerados na modelagem; e
(ii) A minuta de contrato prevê a possibilidade de prorrogações contratuais por sucessivas vezes, sem limite de duração, apenas limitada ao prazo máximo de todas a 70 anos, em consonância com as inovações trazidas pelo Decreto nº 9.048/2018. O contrato deixa explícito que a prorrogação antecipada é mera faculdade do poder concedente, a pedido do arrendatário, e que será efetivada com base no interesse público, desde que fique caracterizado que a prorrogação é medida mais eficiente que celebrar novo certame.
Tutela da concorrência
Quanto ao enforcement de regras concorrenciais, interessante notar que a minuta de contrato atribui a competência de apurar “práticas abusivas” ou “tratamento discriminatório” à ANTAQ, com exceção das competências estipuladas na Lei do Cade (Lei nº 12.529/2011). Entretanto, há diversos casos em que as competências da agência e do Cade são concorrentes, como ocorreu nos casos iniciais relativos a SSE, havendo julgamentos na ANTAQ e no Cade quanto às mesmas partes, inclusive com resultados divergentes.
Logo, caberia ao contrato explicitar a competência concorrente desses dois órgãos para aplicação de regras concorrenciais, sob óticas distintas, deixando eventuais casos de competência exclusiva ou limitada de cada um deles à interpretação sistemática das Leis nº 12.529 e 10.233.
Step in right
Por último, cabe mencionar que o contrato contém cláusula de step in right, que assegura aos financiadores e aos garantidores do projeto a possibilidade de assumirem o controle da arrendatária em caso de inadimplemento dos contratos de financiamento, mediante autorização do poder concedente.
A cláusula condiciona a assunção apenas para que seja promovida a reestruturação financeira da SPE criada para execução do contrato, o que parece apaziguar quaisquer discussões relativas à proibição de pacto comissório – cláusula que permite ao credor assumir a propriedade do bem em garantia.
O contrato exige, no entanto, dos financiadores e/ou garantidores do projeto que atendam às condições de regularidade jurídica e fiscal e de operação. O atendimento aos requisitos operacionais é controverso ante aos perfis de finanças e de operações, que costumam ser extremamente distintos entre a arrendatária original e os financiadores e garantidores habituais de projetos de infraestrutura.
Veja-se que a própria cláusula de step in right nesse contrato permite aos financiadores que assumirem o controle a possibilidade de contratar terceiros para a executar as operações portuárias, o que deveria refletir na exigência de que ou o garantidor cumpra com os requisitos operacionais ou que apresente instrumento jurídico com o compromisso de um terceiro – que atenda aos requisitos operacionais – realize as operações portuárias.