Tributo sobre produtos com conteúdo de carbono pode trazer importante diferencial competitivo para a indústria brasileira
Primeiramente, é importante entender o que é o CBAM ou Mecanismo de Ajuste de Carbono na Fronteira (Carbon Border Adjustment Mechanism). Trata-se de um mecanismo, instituído pela União Europeia, para apoiar aquele mercado comum no combate às mudanças climáticas. Especificamente falando, o CBAM nada mais é que um tributo que recairá sobre os importadores europeus quando estes adquirirem mercadorias com conteúdo de carbono. Numa etapa inicial, que começou em fins de 2023, os importadores têm como obrigação informar aos reguladores o conteúdo de carbono existente nos seus produtos comercializados.
Num segundo momento, que está programado para ter início em 2026, os importadores terão que declarar as mercadorias adquiridas e o volume respectivo gerado de gases de efeito estufa (GEE). Definido o volume de GEE, os importadores terão que entregar certificados de CBAM de forma a compensar ou conciliar suas emissões. Seguindo, é importante entender como o CBAM pode afetar nossas transações internacionais e nossa economia. O CBAM, em termos de comércio exterior, nada mais é que uma barreira não-tarifária atrelada às questões ambientais. Em outros termos, haverá uma sobretaxa sobre os produtos que apresentarem conteúdo de carbono. Um dos problemas está associado à própria característica da cobrança.
Em uma barreira não-tarifária, no caso, uma barreira técnica associada a padrões de meio ambiente, é complexo determinar o quão esta medida comercial é meritória ou o quão se trata meramente de uma medida protecionista. Na verdade, na prática, o mais plausível é que seja uma combinação das duas condições. Portanto, a medida tem mérito ao tentar reprimir a comercialização de produtos que propiciam a emissão de GEE ao mesmo tempo em que estimula a produção e comercialização de produtos “verdes”. Na outra ponta, contudo, pode ser uma forma de dificultar a entrada de produtos importados no mercado europeu, inclusive os brasileiros, o que abordaremos a seguir.
Outro problema é o encarecimento da mercadoria importada. Desconsiderando o efeito sobre o consumidor europeu, que é importante, mas não é o objeto do presente artigo, esta sobretaxa sobre as mercadorias importadas, tomando como referência nosso país, se traduzirá num encarecimento das nossas exportações. Logo, considerando tudo o mais constante, o CBAM tende a afetar negativamente a competitividade dos produtos brasileiros e, dessa forma, afetar negativamente o volume de nossas exportações. A mercadoria brasileira, na visão do europeu, se tornará mais cara.
Em consequência, deve ocorrer uma redução das exportações brasileiras para a Europa, pelo menos naquelas mercadorias sob a diretiva do CBAM. Vale mencionar que o CBAM afetará, a princípio, os segmentos de cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, hidrogênio (químicos) e a própria eletricidade. Obviamente, esta é a lista inicial, não final de produtos. Ou não… Será que se os exportadores brasileiros têm uma alternativa aos efeitos sugeridos acima da aplicação do CBAM? Vejamos. O CBAM incidirá sobre os produtos que em sua cadeia produtiva haja conteúdo de carbono. Assim, quanto maior o conteúdo de carbono, maior a compensação necessária e, dessa forma, o preço. O fundamental tornase então avaliar não o produto em si, mas o referido conteúdo de carbono da cadeia produtiva.
Em termos gerais, o carbono nos insumos e matérias-primas ou nos meios de produção (tecnicamente falando, fatores de produção) utilizados no processo produtivo. Acontece que o Brasil tem uma enorme condição efetiva e potencial de descarbonização de seus produtos. No que tange à condição efetiva, já temos uma matriz de energia elétrica praticamente limpa onde predomina as fontes hidráulica, eólica e fotovoltaica. Não é demais dizer que a energia elétrica é um dos principais insumos na maioria dos processos produtivos. Ademais, nosso potencial para novas tecnologias limpas é imenso.
Pode-se citar, de pronto, o biogás/biometano, o próprio biodiesel, o HVO, o hidrogênio de baixo carbono etc. Chega-se à conclusão de que nossos produtos, relativamente aos produzidos na maioria dos outros países e mesmo os europeus, já têm uma baixa pegada de carbono, além de possuirmos um enorme potencial para adicionais descarbonizações. Em suma, dada a citada potencialidade brasileira no que se refere à produção de bens a partir de energia limpas e renováveis, o CBAM, de uma ameaça, pode se tornar uma oportunidade para o país. Nosso diferencial produtivo pode nos levar a ser grande um grande produtor e exportador de bens “verdes” – tratado na literatura de sustentabilidade como powershoring. Resta-nos transformar esta potencialidade, e sua respectiva oportunidade, em realidade.
Portanto, toda atenção com o CBAM e seus impactos é relevante, mas seu adequado tratamento pode trazer aos produtos brasileiros um importante diferencial competitivo ou mesmo transformar e revigorar a indústria brasileira. Porém, desta vez, sem se basear no protecionismo, mas em uma nova vantagem comparativa associada às nossas condições ambientais.
Fernando Antônio Ribeiro Soares
Consultor do BPP