A “lei do combustível do futuro” (PL 3.462/23) promove o SAF na aviação, com metas de descarbonização, controle rigoroso e incentivos para empresas aéreas.
No contexto do PL 3.462/23, que institui a “lei do combustível do futuro”, uma das principais inovações é a inclusão do SAF – Sustainable Aviation Fuel como componente central na transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável no setor de aviação.
O PL estabelece uma série de diretrizes que buscam incentivar a produção e o uso de combustíveis sustentáveis no setor aéreo, visando a descarbonização e a redução das emissões de GEE – gases de efeito estufa. A seguir, discutiremos as principais obrigações que as companhias aéreas deverão seguir caso essa legislação seja aprovada.
Metas progressivas: A principal obrigação imposta às companhias aéreas é a adoção progressiva de combustíveis de aviação sustentáveis. O PL 3.462 estabelece que o uso de SAF será obrigatório para as companhias que operam voos no Brasil, tanto domésticos quanto internacionais. As metas serão estabelecidas de forma gradual, permitindo a adaptação do mercado e das infraestruturas produtivas.
Essas metas terão um cronograma específico, que deve ser regulamentado pelo poder Executivo. A ideia é criar um cenário onde o uso de combustíveis fósseis no setor seja reduzido ano após ano, sendo substituído por SAF. Companhias aéreas precisarão se adequar a essas metas, o que pode incluir a adoção de novas tecnologias, ajustes logísticos e novos contratos de fornecimento.
Certificação e controle: Além da obrigação de uso, as companhias aéreas estarão sujeitas a um sistema de controle e certificação do SAF. Isso significa que a origem do combustível utilizado deverá ser certificada por autoridades competentes, garantindo que o SAF de fato contribua para a redução de emissões e atenda aos critérios ambientais estabelecidos.
Esse controle inclui não apenas a qualidade do combustível, mas também a comprovação de que ele foi produzido de forma sustentável, sem causar danos ambientais. As companhias terão que manter registros detalhados sobre o uso e a origem do SAF, os quais poderão ser auditados periodicamente pelas autoridades.
Reporte de emissões: O PL também prevê que as companhias aéreas serão obrigadas a reportar regularmente suas emissões de GEE. Essas informações deverão ser publicadas de maneira transparente, possibilitando que o governo e a sociedade monitorem os avanços na descarbonização do setor.
Esse reporte será fundamental não apenas para o cumprimento das metas de uso de SAF, mas também para que as empresas possam demonstrar conformidade com compromissos internacionais, como o Corsia – Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation, e para acessar incentivos financeiros ou regulatórios.
Implicações econômicas e financeiras para o setor aéreo no Brasil: A transição para combustíveis mais sustentáveis, embora necessária do ponto de vista ambiental e regulatório, também trará desafios e oportunidades econômicas significativas para as companhias aéreas.
O SAF, em comparação com o querosene de aviação (JET-A1), ainda é significativamente mais caro devido a fatores como a produção em escala limitada e tecnologias emergentes. Estima-se que o SAF custe entre 2 a 5 vezes mais do que os combustíveis fósseis tradicionais. Isso gerará um impacto imediato nos custos operacionais das companhias aéreas, especialmente aquelas que operam com margens de lucro apertadas.
Quanto à infraestrutura, haverá adaptações nos sistemas de abastecimento, certificação de equipamentos, e a logística de transporte do SAF. Companhias aéreas com grande presença em hubs estratégicos precisarão colaborar com aeroportos e governos para garantir que a infraestrutura de distribuição do SAF seja ampliada. O aumento dos custos operacionais será particularlmente desafiador para empresas do setor aéreo, especialmente no curto prazo, quando já estão endividadas pela pandemia e pela crise econômica global.
Por outro lado, o projeto de lei prevê incentivos econômicos e fiscais para empresas que adotarem o SAF de maneira acelerada. Isso pode incluir isenção de impostos, acesso facilitado a linhas de crédito verdes e incentivos diretos para inovação tecnológica. As companhias aéreas que investirem de forma proativa na adaptação ao SAF poderão acessar essas vantagens, o que poderia mitigar o impacto econômico inicial.
Além disso, o uso do SAF pode permitir a participação no mercado internacional de créditos de carbono. Empresas que superarem as metas de descarbonização poderão vender créditos de carbono, que precisam se adequar aos requisitos do Corsia – Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation. A obtenção de créditos de carbono pode ser uma forma de reduzir os custos associados ao cumprimento dessas regulamentações internacionais. Além disso, o sistema “book and claim” permite que as companhias aéreas participem do mercado de SAF sem a necessidade de infraestrutura local para o abastecimento de combustível sustentável. Isso é particularmente importante em mercados ou aeroportos que ainda não estão preparados para distribuir SAF em grande escala. As companhias podem reivindicar o uso de SAF ao adquirir os créditos, contribuindo para suas metas de descarbonização e atendendo às exigências regulatórias, sem enfrentar limitações logísticas. Essa flexibilidade permitirá que mais companhias aéreas se engajem no mercado de SAF, independentemente de onde estejam operando, e cumpram suas obrigações de uso de combustíveis sustentáveis impostas pela lei do combustível do futuro.
Caso as companhias aéreas não cumpram as metas estabelecidas ou falhem em reportar corretamente suas emissões e o uso de SAF, poderão ser aplicadas penalidades. O projeto de lei contempla multas proporcionais ao volume de emissões e à gravidade da infração, bem como outras sanções administrativas que podem incluir a suspensão de autorizações para operar voos. O PL prevê a aplicação de multas proporcionais ao volume de emissões excedentes ou ao descumprimento das metas de uso de SAF. Além das multas, companhias aéreas que não cumprirem as metas de descarbonização poderão enfrentar sanções administrativas, que podem incluir a suspensão temporária de licenças ou autorizações de operação. Em casos mais graves, a empresa pode ter sua licença revogada.
Com a aprovação da lei do combustível do futuro, as companhias aéreas serão obrigadas a incorporar o uso do SAF de forma progressiva em suas operações, cumprindo metas estabelecidas, reportando emissões e se adequando a um sistema de certificação rígido. O cumprimento dessas obrigações será monitorado, e aquelas que falharem estarão sujeitas a sanções, enquanto as que superarem as expectativas poderão ser beneficiadas por incentivos. A transição para o SAF, embora complexa, será um passo decisivo para a sustentabilidade do setor aéreo no Brasil, que deve ser confirmado pela aprovação congressual, nos próximos dias, da lei do combustível do futuro.
Welber Barral
Sócio de Barral Parente Pinheiro Advogados, com escritórios em São Paulo, Brasília e Buenos Aires.